segunda-feira, setembro 26, 2005

Breve história de quase tudo

Capa do livro Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson, 2003
Já pensou em rolar de rir lendo uma obra de divulgação científica? E não porque as idéias sejam estapafúrdias, e sim pelo próprio estilo do autor. O que mais podemos fazer quando alguém diz: "Não pretendo lançar uma nota lúgubre neste ponto, mas o facto é que a vida na Terra tem uma outra qualidade muito pertinente: extingue-se. Com bastante freqüência." Na minha vez, tive que me dobrar de tanto dar risada.

De modo geral, leio dois ou três livros por vez, sem contar revistas, gibizes, folhetos de supermercado e catálogo de bugigangas. Desta vez, no entanto, parei tudo para me dedicar a um só. A novidade é que, além de ser o melhor que li no ano - quiçá de muitos anos - este não é um livro de ficção, e sim de ciências. Quais ciências? Bom, aí reside o grande trunfo do autor: ele não as separou em matérias estanques, do jeito que se faz comumente na escola; elas estão interrelacionadas igualzinho o que acontece no mundo real. A capa do livro ilustra bem isso: um novelo de lã representado como o globo terrestre, porque a cada assunto abordado o autor logo puxa outro.

Assim, o que começa pelo começo [o que em termos científicos significa o Big Bang] no primeiro capítulo já adentra no terreno da Filosofia, Física, Química, Geologia, Astronomia, Arqueologia, História e um tempero especial que viria a permear toda a obra: muito senso de humor e um tiquinho de fofoca. Ciumeiras, traições, amizades rompidas, adultérios - pequenos causos contados em roda de amigos como se se tratassem de pessoas comuns, com sentimentos e defeitos. Ei... eles são. Gênios, é verdade, mas essencialmente pessoas. É assim que sabemos que Marie Curie ganhou um Nobel de Química e um de Física e teve seu ingresso na Academia de Ciências francesa rejeitado porque tinha um affair com um homem casado. Pierre Curie já era morto, atropelado antes que os efeitos da radiação que ambos estudaram durante anos o matasse de forma mais cruel.

É claro que as descobertas científicas nem sempre são para o bem; um exemplo disso são dois dos maiores desastres ecológicos do século XX, a gasolina aditivada com chumbo tetraetila e o CFC ou clorofluorcarbono - ambos sob responsabilidade de Thomas Midgley Jr. A toxicidade do chumbo foi reconhecida já há algumas décadas, mas apenas em 2001 os EUA proibiram a solda de chumbo nas latas de alimentos. Os níveis de chumbo na atmosfera emitidos pelos escapamentos dos carros e a recuperação da camada de ozônio corroída pelo CFC, no entanto, ainda levarão alguns milhares de anos para voltar ao normal. Noutro exemplo do modo como as ciências se interrelacionam, devemos a proibição desses dois elementos ao geólogo Clair Patterson, que andava a desenvolver um sistema confiável de datação da Terra e se deparou com amostras contaminadas. Foi uma luta que ele travou durante 50 anos.

O livro foi lançado em 2003, o que torna as informações bastante atuais e nos faz perceber - aos maiores de 20 e poucos anos, pelo menos - que muita coisa que aprendemos na escola estava errada. Ou, como o autor diz algumas vezes, no mínimo muito longe da verdade. Bill Bryson é americano, casado e estabelecido na Inglaterra. Nesse site é possível assistir à apresentação que fez à Royal Society no ano passado, quando ganhou o Aventis Prize for Science Books. Em 2005 ele preside a Comissão Julgadora do mesmo prêmio. Este é o único [tomara que apenas o primeiro] livro de divulgação científica do autor, mais conhecido pelos seus livros de viagem - dois deles publicados por aqui pela Companhia das Letras.

Para quem deseja se estender além do "breve", aprofundar os estudos, o livro traz nove páginas contendo a bibliografia pesquisada. O índice remissivo ocupa outras onze páginas.

O grande defeito de "Breve história de quase tudo" é não estar disponível no Brasil. A não ser que não tenha problemas para ler no original em inglês, a única alternativa é a tradução portuguesa de Daniela Garcia. Por mais que o idioma seja o mesmo português, ainda há aquelas expressões características que nos são desconhecidas - e o que quase me fez pensar que ler em inglês é menos complicado.
;o)

Graças aos amigos tugas que, sempre muito gentis, esclareceram o significado de algumas das mais difíceis, a leitura pôde seguir sem grandes sustos. E, caso mais alguém esteja a ler o mesmo livro e tropeçando nas mesmas dificuldades que eu tive, cá está a colinha.

alforreca = água-viva
bolas-de-berlim = o doce que chamamos sonhos, no Brasil
estar/ficar nas suas sete quintas = "estar contente". Provem de uma lenda (ou verdade nem sei) antiga, que os reis portugueses possuiam aqui no concelho do Seixal onde eu vivo, margem sul do Tejo, sete quintas (das quais algumas ainda existem - a ver só me lembro de 3, Princesa, Varejeira e Atalaia) e onde o rei e a comitiva passavam varios dos seus fins-de-semana. Daí quando estavam felizes estavam nas suas sete quintas. [PreDatado]
poias de vaca = montinhos de esterco
solha = peixe que no Brasil chamamos de linguado
ver-se grego = Na Idade Média era até frequentíssimo este dito, muito usado pelos que faziam transcrições ou traduções: "Graecum est, non legitur" -- "É grego, não se entende". Inda hoje se diz -- "isto para mim é grego", ou seja, "não percebo nada disto".

As citações distribuídas no final-de-semana foram retiradas do livro; tem outras, mas essas quatro foram as que mais gostei.

Breve História de Quase Tudo [A Short History of Nearly Everything]
Bill Bryson
Tradução de Daniela Garcia
494 páginas
Quetzal Editores [Portugal]
4ª edição, 2005

As notícias abaixo têm alguma relação com o que é explicado no livro, e são talvez uma centésima parte dos assuntos abordados.

Pensata: "[...] últimos resultados mostram que um em cada cinco americanos ainda acha que o Sol gira em torno da Terra."

Phyorg: "A University of New South Wales academic, Dr Norman Wildberger, has rewritten the arcane rules of trigonometry and eliminated sines, cosines and tangents from the trigonometric toolkit."

IDG Now!: "Estudando mapas dos arredores de sua cidade através do Google Maps e do Google Earth, o programador italiano Luca Mori "tropeçou" em ruínas do que provavelmente foi uma antiga vila romana."

BBC: "Cientistas da Universidade de Portsmouth, na Grã-Bretanha, encontraram evidências de que os pterossauros, répteis voadores que viveram há milhões de anos, foram as maiores criaturas voadoras que já existiram na terra."

Terra: "A fonte da misteriosa luz na galáxia de Andrômeda, que vem intrigando cientistas há mais de uma década, foi identificada. De acordo com os astrônomos, a luz vem de um disco de estrelas jovens."

Folha: "Um método emprestado da biologia evolutiva pode quebrar uma velha barreira no estudo das línguas humanas. Com ele, lingüistas e antropólogos acharam indícios de parentesco entre idiomas que se separaram há mais de 10 mil anos e cujas palavras perderam toda semelhança aparente."

Um comentário:

naomi . disse...

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